Ilha do Ferro
Ilha do Ferro (AL)A Ilha do Ferro, situada a 18km do município de Pão de Açúcar, não é uma ilha como o nome indica. A história do povoado é semelhante a de inúmeros outros que encontramos às margens do Rio São Francisco, entre Alagoas e Sergipe. O que torna diferente o lugar é sua gente.
Um dos moradores mais importantes moradores foi Fernando Rodrigues dos Santos, o Seu Fernando. Pescador, agricultor, caçador, poeta e um grande artista popular autodidata, foi responsável por ajudar a divulgar a potência que estava escondida na Ilha do Ferro. Não sabia ler, mal escrevia o próprio nome, mas deixou cadernos com seus pensamentos e memórias ditados em voz alta. Entre 1967 e 1981 começou a trabalhar com a madeira, fazendo cadeiras, bancos, mesinhas usando galhos mortos, e quase sempre inscrevendo frases e poemas em suas peças.
“Minha arte tem uma inteligência que só os artistas da natureza podem compreender” ele dizia. Seu ateliê se chamava “Boca do Vento” pois ficava atrás da casa, com vista para o São Francisco. É nesse mesmo local que ainda hoje, sua neta Camille e um grupo vasto de artesãos segue produzindo e dando continuidade ao imaginário mágico de Seu Fernando.
Desde cedo, aprenderam que o sertão não poderia ser domado, com seus ciclos de seca e fartura. O rio, ao longo dos anos, viu minguar o ir e vir dos barcos e canoas que movimentavam os portos ribeirinhos. O Sertão do São Francisco, visto como “uma força disruptiva e potencialmente perigosa” foi cenário para as batalhas do cangaço, mas também sempre representou refúgio. Não era só um marco geográfico, mas sim um “estado de espírito”. A ascensão e a queda de grupos regionais hegemônicos nunca foram capazes de abalar o que o sertanejo tem de mais genuíno, uma inabalável força, essencial à sobrevivência. A ilha, que não é uma ilha, tem esse nome, segundo os moradores mais antigos, porque a terra pertencia a uma família cujo sobrenome era Ferro. Em frente o núcleo das primeiras habitações, havia no meio do então caudaloso Rio São Francisco, uma ilha. O banco de terra existe até hoje e, por se tornar cemitério habitual de recém nascidos, é mais conhecido como Ilha dos Anjos. Há inúmeras versões para explicar como um povoado ribeirinho se tornou ilha, e essa é uma das mais aceitas.
Hoje, dezenas de artistas populares povoam a Ilha do Ferro, trabalhando principalmente com o entalhe em madeira e com o bordado Boa Noite. Na frente de suas casas, em ateliês improvisados, nas praças, na beira do rio, homens e mulheres continuam a fazer história com as próprias mãos, transformando o lugar em território da imaginação, onde a criatividade se mistura com o fazer cotidiano, transformando vida e arte em vivência única.
Além do mobiliário singular, com suas formas que respeitam a sinuosidade dos galhos, raízes e troncos, emergem dos trabalhos manuais, figuras da fauna e da flora do sertão, barcos, canoas, homens e mulheres, seres híbridos e mitológicos. São peças orgânicas que, além do apelo realista, trafegam pelo fantástico, pelo bestiário criado na cultura popular, pelas manifestações de um folclore vivo, que se materializa e se reinventa em cada pedaço de madeira encontrado na natureza. É essa diversidade em formas, cores e texturas que faz da Ilha do Ferro um enclave único nos domínios da arte popular de Alagoas.